Brasília -  O Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionou, ontem, publicamente a favor da liberdade da mulher de interromper a gravidez até a 12ª semana de gestação. Pela primeira vez, a entidade afirmou que apoia o aborto não somente nos casos previstos pela lei — quando houver risco à vida da mãe, em caso de estupro ou se o feto não tiver cérebro —, mas também se for a vontade da gestante. A posição provocou polêmica e deixou religiosos indignados.
Foto: Reprodução
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Um parecer com a recomendação será enviado à comissão do Senado responsável pela reforma do Código Penal. “Recebemos essa sugestão com todo respeito, mas quem tem autonomia para decidir são os senadores e deputados”, afirmou o relator da reforma, senador Pedro Taques (PDT-MT).
A entidade tomou a decisão no I Encontro Nacional de Conselhos de Medicina, no início deste mês, em Belém. Votaram 55 conselheiros federais e estaduais. Deles, 70% — inclusive a representação do Rio de Janeiro — foram a favor do direito da mulher de interromper a gravidez até o fim de três meses.
O procedimento também recebe apoio do CFM em caso de gravidez em que for usada técnica de reprodução assistida sem autorização da mulher ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente. Em ambos os casos, dois médicos precisam atestar as duas circunstâncias.
O presidente do CFM, Roberto Luiz d’Avila, disse que o limite de 12 semanas para a interrupção se deve ao fato de que, a partir desse tempo, há um risco maior para a mãe. “O outro fator é que, a partir de então, o sistema nervoso central (do feto) já estará formado”, explicou ele.
Em 2012, foram feitas no SUS 179.485 curetagens. Esses procedimentos, que incluem todo tipo de aborto — inclusive o espontâneo — custaram as cofres públicos R$ 40,7 milhões. O aborto é a quinta causa de morte materna. As complicações por interrupção feita de forma clandestina são a terceira causa de ocupação dos leitos obstétricos no país.
“Quero deixar claro que os conselhos de Medicina em nenhum momento aprovaram a total liberação do aborto. Não se trata disso. Primeiro, porque não temos esse poder. Esta decisão pertence à sociedade brasileira, através do Congresso Nacional”, disse D’Avila.
'Se não concordo, não tenho que fazer’
No grupo dos 14 médicos que votaram contra a decisão do CFM está o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, o pediatra João Batista Soares. Segundo ele, a partir do momento que o espermatozoide encontra o óvulo, já há vida, e um médico deve sempre se preocupar em preservá-la.
Soares cobrou, ainda, o fato de as discussões sobre o aborto nunca envolverem o pai do bebê. “E ele como fica? Não vai ser ouvido nunca?”, questionou o médico, que afirmou não ser religioso e apoiar a interrupção da gravidez em casos de estupro e riscos para a mãe e a criança.
“Pelo Código de Ética Médica, o profissional não é obrigado a praticar um procedimento que é contra sua consciência. Se eu, filosoficamente, não concordo, não tenho que fazer”, protesta o pediatra.
‘A autonomia da mulher impede a da criança’
Para Dom Antonio Augusto, bispo auxiliar do Rio, a posição do CFM trata a vida de maneira “banalizada” e distorce o conceito de independência. “A autonomia da mulher impede a da criança. O Código de Ética Médica diz que o médico não pode causar nenhum malefício a seus pacientes, não pode tirar a vida.” A mesma posição tem o pastor da Assembleia de Deus Everaldo Dias. “A nossa defesa será sempre a favor da vida. Não importa em qual semana está a gravidez. A vida existe desde a fecundação, e não há nada que justifique acabar com ela.”