terça-feira, 19 de fevereiro de 2013


Laboratório de Petrópolis é o único no país a

 cultivar pele humana



A pele coletada pode ser congelada em nitrogênio líquido
Foto: Guilherme LeporaceNo filme espanhol “A pele que habito”, o cineasta Pedro Almodóvar conta a história de um cirurgião plástico que atravessa os campos proibidos da transgênese para criar pele humana e salvar sua amada. Histórias como essa, que povoaram por décadas o campo fértil da ficção científica, estão aos poucos transcendendo as páginas dos livros e as telas dos cinemas para se tornarem realidade. Localizado em Petrópolis, o Excellion — o único laboratório do país a cultivar pele humana — é um exemplo disso.
O método que auxilia vítimas de queimaduras ou pacientes que precisam de enxertos depois de cirurgias plásticas é considerado um dos melhores do mundo, pois a pessoa que recebe a pele em grande escala é a própria doadora. Ou seja, não existe risco de rejeição.
O diretor técnico-científico da empresa, professor Radovan Borojevic, explica que o sistema foi criado na década de 70, na França, mas ainda não é difundido.
— Quando nos cortamos, o corpo entende que precisa se regenerar, e os dois lados da fissura começam a produzir novo tecido e se unem. Seguimos mais ou menos o mesmo procedimento aqui. Retiramos um centímetro quadrado do paciente, geralmente da região das nádegas, e fazemos um corte. As células entendem que falta cobertura naquele ponto e que precisam se proliferar, o que acontece uma vez a cada dia. A partir dessa dimensão, conseguimos criar um metro quadrado de pele, com as mesmas características do tecido original — explica Borojevic.
A duração desse processo depende da idade do paciente e do estado da pele retirada. Quanto mais jovem a pessoa, mais rápido o tecido se prolifera. Fumantes de mais de um maço de cigarros por dia, por exemplo, precisam esperar um pouco mais. Mas, geralmente, esse prazo gira em torno de duas ou três semanas.
O professor conta que grande parte das queimaduras é causada por água fervente, que provoca ferimentos extensos, mas não muito profundos. Já quando as lesões são ocasionadas por solventes químicos, derivados de petróleo e incêndios, como o que destruiu a boate Kiss no dia 27 de janeiro, em Santa Maria (RS), as queimaduras atingem órgãos internos e exigem outros cuidados.
— O primeiro passo é estabilizar o paciente, antes de equilibrá-lo. Nossa pele nos protege de tudo o que é nocivo no mundo e é o que retém toda a água de nosso corpo. O paciente precisa ficar durante algumas semanas em banheiras, e os médicos se esforçam para que os órgãos vitais não falhem. Depois disso, o que se faz, geralmente, é aplicar camadas de peles de cadáveres. Infelizmente, o Brasil não conta com um banco desse tipo. O resultado com pele humana é excelente. Já tratei pacientes que sobreviveram com 70% do corpo queimado — lembra.
O custo do cultivo de pele varia de R$ 5 mil a R$ 20 mil, dependendo do tamanho requisitado, e se aplica a pacientes com queimaduras de 2º e 3º graus. Amostras de tecido também podem ser congeladas em nitrogênio líquido e proliferadas cem anos depois da coleta. A Excellion funciona no Quitandinha há dez anos, mas, desde 2007, graças a uma licença provisória da Anvisa (a permanente chegou em 2011), cultiva pele humana para vítimas de acidentes.
De acordo com Borojevic, o laboratório entrou em contato com o Ministério da Saúde e se pôs à disposição para fornecer a pele necessária para a recuperação das vítimas da tragédia de Santa Maria.
— O Brasil é fatalmente desprevenido para tratar pacientes que sofreram acidentes com queimaduras. A situação da vítima é complicadíssima e existe um risco enorme de infecções. O tratamento é lento, e quem está sendo tratado ocupa o leito por muito tempo. Os países ricos já entenderam que é menos custoso cultivar pele do que manter o paciente em uma Unidade de Terapia Intensiva — explica.

Fonte: NATASHA MAZZACARO (EMAIL · FACEBOOK · TWITTER)




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