sexta-feira, 16 de maio de 2014

Cravo na rodoviária de Teresópolis revela talentos anônimos

Na rodoviária, ônibus, passageiros e um piano. Um cravo, para ser mais exato. Há dois anos, a presença do instrumento mudou a rotina do terminal de Teresópolis. Doado por um antiquário, fica exposto na intenção de ser tocado por quem quer que passe por ali. Virou um dos raros fatores que desaceleram o vaivém numa das portas de entrada da cidade.
Humberto Alfredo Parra, de 65 anos, testa afinação do cravo antes de tocá-lo. (Foto: Felipe Hanower)
Humberto Alfredo Parra, de 65 anos, testa afinação do cravo antes de tocá-lo. (Foto: Felipe Hanower)

O modelo alemão Rönisch Carl Dresden, de aproximadamente 90 anos, fica no corredor de acesso à plataforma de embarque e desembarque, e chamou a atenção de Humberto Alfredo Parra, de 65 anos. Ele o testa, tecla por tecla, e reclama, entre dentes: “Faltam dez notas”. De todo modo, em pé, começa a tocar Chopin. O burburinho cessa quase instantaneamente. Ao final da apresentação improvisada, mas aclamada, Parra, professor de piano aposentado, sai apressado para não perder a condução.
- Ótima a iniciativa, mas é uma pena um instrumento desse, de marca boa, premiada, largado assim desse jeito – reclama, justificando ainda as falhas de execução, imperceptíveis aos leigos.
Quem atualmente faz a afinação do cravo é Dilson Mattos Pereira. Ele, que é cego, tomou a responsabilidade por conta própria desde o dia em que foi alertado pela esposa numa das idas a Teresópolis da presença do instrumento ali. Professor de afinação no Instituto Benjamin Constant, dedica-se por horas ao equipamento quando tem a oportunidade. Mas, ressalta, deixa o cravo tão somente “tocável”.
- Acho linda a proposta de aproximar a música das pessoas. Um dia, me sentei para tocar e acabei consertando-o. Mas é preciso uma reforma minuciosa. Ajeito para que não fique sem uso – explica, acrescentando que a única remuneração já recebida pelo serviço foram R$ 100 coletados em vaquinha feita por funcionários da rodoviária.
Marco Antônio Furtado Ferreira (ou simplesmente Marquinho da Rodoviária, por trabalhar há 16 anos no local), foi um dos contribuintes. Lamenta não ter mais para poder ajudar na restauração, orçada em alguns milhares de reais. Ele, nos horários vagos, testa as composições feitas para o violão no alemão quase centenário.
- Tenho dedos duros, mas adoro música. O pessoal aqui adotou o instrumento — e interrompe a conversa para apresentar música autoral, complementando em seguida: – Um menino que vende amendoim vem para cá para aprender piano e tem melhorado a olhos vistos.
Responsável pelo acolhimento do cravo e pela ideia, o administrador da rodoviária, Alexander Barbosa Silva, mudou a trilha sonora tocada nos alto-falantes para música instrumental, por conta do cravo.
- Sempre tem um que se senta e toca – diz.
Silva afirma que o instrumento foi catalogado pela Secretaria de Cultura e que há promessa de reparo. No entanto, nada foi feito até agora.


Fonte: O Globo
Por Thalita Pessoa

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