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À procura de soluções inovadoras para os desafios mais urgentes, governos devem estimular desenvolvimento de maneira estratégica e horizontal
Ricardo Hausmann
Contratos públicos são mina de ouro para estimular desenvolvimento
(Patrick Van Gelder/iStock/Getty Images/VEJA)
Ouro é raro. Mais de 99,9% da crosta terrestre é composta de
dióxido de silício, alumínio, cálcio, magnésio, sódio, ferro, potássio,
titânio e fósforo. Portanto, ao longo da história humana, a
humanidade ficou muito entusiasmada quando descobriram ouro. Apesar das
consequências ambientais sérias da extração do minério, incluindo
poluição por mercúrio e cianeto e a devastação de paisagens, a
humanidade não desistiu de procurá-lo – e parece improvável que isso
aconteça tão cedo. Mas há uma mina de ouro simbólica – mais segura e
potencialmente tão lucrativa quanto a verdadeira – que a maioria dos
países possui, mas poucos escolhem explorar completamente: os contratos
públicos.
Os potenciais efeitos adversos dos contratos públicos são conhecidos.
Podem permitir que as empresas cobrem preços abusivos por produtos de
má qualidade e serviços não confiáveis, facilitando a corrupção, o abuso
de poder e o desperdício. Para diminuir esses riscos, a maioria dos
países implementou requisitos para abrir processos de licitação e regras
de transparência estritas para aquisições públicas. De fato, a maior
parte dos acordos de livre comércio recentes exige que os signatários
abram seus contratos públicos uns para os outros, e o Banco Mundial
publica os nomes das firmas barradas por fraude ou corrupção de
participação de licitações em projetos financiados pela entidade. Países
que prescindem de processos abertos acabam se envolvendo em diversos
tipos de roubos em grande escala, como os que foram verificados na
Venezuela e, possivelmente, na Ucrânia, sob o governo do presidente
deposto, Viktor Yanukovych.
Mas sob todo este arsênico há ouro. Na maioria das produções modernas
está envolvido não só o custo de fazer as coisas, mas também o custo de
descobrir como fazê-las. Antes que os fabricantes de aeronaves possam
produzir e vender um novo modelo de avião, devem gastar bilhões de
dólares ao longo de uma década ou mais de desenvolvimento – gastos que
mais tarde devem ser compensados. Se eles não tivessem certeza de que
haveria mercado para o novo modelo, poucos assumiriam esses gastos. É
onde entram os contratos públicos.
Em 1946, por exemplo, o governo dos Estados Unidos emitiu um contrato
para a Boeing desenvolver o B-52. O governo obviamente não queria que a
companhia entregasse um avião comum; queria a primeira aeronave
de bombardeiro estratégico com motor a jato. Afinal de contas, o segundo
melhor exército em uma guerra é perdedor. O contrato, portanto, teve
que refletir os riscos inerentes em descobrir como projetar e produzir o
avião mais avançado de seu tempo. Mas os benefícios da aquisição
governamental excederam o seu objetivo específico quando a Boeing usou o
conhecimento que adquiriu desenvolvendo o B-52 para criar o seu avião
comercial B-707. Embora o governo nunca tenha promovido propositalmente o
desenvolvimento de aviões comerciais, a sua aquisição de aeronaves
militares tecnicamente avançadas, de alta qualidade, foi essencial para a
emergência da indústria aeronáutica americana, líder
global. Simplificando: descobrir como fazer alguma coisa
continuamente torna mais fácil fazer outras coisas. Desta forma, um
governo exigente em relação à qualidade de suas aquisições pode ter um
impacto poderoso na evolução da vantagem comparativa de seu país.
O governo de Israel teve um efeito similar através dos seus esforços
para gerenciar os seus limitados recursos hídricos. Digamos que o país
gasta 100 de alguma unidade por causa da escassez de água. As inovações
que o governo incentiva, como sistemas de irrigação por gotejamento e
dessalinização, não apenas reduzem o custo doméstico da escassez para,
digamos, 70, mas também sustentam uma indústria que, vendendo seus
produtos nos mercados mais exigentes, agrega um valor global de mais de
mil. Neste sentido, a escassez de água em Israel tornou o país mais rico
do que seria sem o problema. Da mesma forma, os investimentos militares
de Israel geraram um conjunto de soluções que, com empenho extra,
tiveram aplicações civis úteis e lucrativas. Isto ajuda a explicar por
que o investimento privado em pesquisa e desenvolvimento constitui uma
fatia maior do Produto Interno Bruto (PIB) em Israel do que em qualquer
outro lugar do mundo.
A lição aprendida com a compra de armas pode ser aplicada em outro
setor. Os governos têm procurado soluções para os desafios mais urgentes
de suas sociedades. Dado que os problemas de um país raramente são
singulares, soluções inovadoras podem impulsionar indústrias globalmente
competitivas – até mesmo dominantes. E soluções para um problema podem
ter aplicações em outras áreas.
Isto deve servir de modelo à América Latina na sua busca por
melhorias no sistema educacional. Atualmente, os oito países
latino-americanos que fazem a prova do Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (PISA), da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), estão entre os quinze piores dos 65
países participantes.
Em vez de gastar quantidades gigantescas de dinheiro em sistemas de
ensino de fraco desempenho, os governos latino-americanos devem sem
dúvida estar interessados em soluções inovadoras, como o uso do tablet
em sala de aula, que pode ajudar os professores a fornecer lições
eficazes, monitorar o progresso dos alunos e identificar estratégias
para fazê-los melhorar. Além de melhorar o desempenho das crianças,
essas iniciativas poderiam impulsionar uma indústria globalmente
competitiva de ferramentas de ensino tecnologicamente avançadas.
Esses são apenas alguns exemplos do valor que pode ser extraído da
mina de ouro dos contratos públicos. Comprometendo-se em adquirir
grandes quantidades de produtos de alta qualidade para solucionar
grandes desafios nacionais, os governos podem encorajar organizações
privadas, públicas ou mistas a encarregarem-se dos custos fixos de
buscar soluções. Em muitos casos, os benefícios dessas soluções vão se
estender para muito além do seu objetivo original.
Mas, seguindo esse caminho, os governos devem se lembrar de que a
mineração é uma indústria potencialmente perigosa, da qual devem se
aproximar com cuidado. Para este efeito, poderiam começar aplicando,
digamos, 5% do seu orçamento destinado aos contratos públicos para
desenvolver soluções urgentemente necessárias em áreas com mercados
globais potencialmente grandes. Afinal de contas, qualquer coisa que
valha a pena fazer, vale a pena fazer melhor.
Ricardo Hausmann, ex-ministro do Planejamento da Venezuela e
ex-economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), é
professor de economia na Universidade de Harvard, onde também é diretor
do Centro para o Desenvolvimento Internacional.
(Tradução: Roseli Honório)
© Project Syndicate 2014
Tradução: Roseli Honório