REGIÃO SERRANA — Uma simples ida ao mercado ou mesmo um passeio pelas
ruas de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis torna-se tarefa
hercúlea para quem é obrigado a levar a vida sobre duas rodas.
Cadeirantes das três cidades reclamam ter de reivindicar o direito de ir
e vir. Uma constatação de que o planejamento dos municípios no que diz
respeito à inclusão dos deficientes físicos vai mal das pernas.
Rogério
Moreira Brasil tem 44 anos e há dois tem de contar com a
disponibilidade da mulher para sair de casa. Caso o contrário, seria
impossível dar continuidade ao tratamento pelo qual é submetido desde
que sofreu o acidente que lhe amputou a perna esquerda e levou à
instalação de apetrecho ortopédico na direita — o qual tem de ter os
parafusos periodicamente apertados para a restauração óssea do membro.
—
As dificuldades já começam quando eu saio de casa. Moro numa ladeira de
paralelepípedos. É impossível transitar ali — conta ele, que só sai de
casa se for de carro.
A pedido do GLOBO-Serra, ele viveu a
experiência de ir até o Centro de Teresópolis em transporte público e
fez um “teste de qualidade" das calçadas do bairro, onde se concentram o
comércio e prédios da administração pública.
— O ônibus parou e
fui bem atendido pelo motorista, apesar de ver uma certa dificuldade
dele em manusear o controle do elevador do veículo — constata o
ex-segurança.
Ao tentar ativar o sinal sonoro, verificou-se que o botão instalado
para cadeirantes apresentava problema. Porém, a maior prova de
desrespeito e descaso do poder público, segundo Brasil, ocorreu pela
falta do uso adequado do maquinário que faz dobradinha em foto com
candidatos em época eleitoral: as pavimentadoras.
— Não consigo
entender a dificuldade de se fazer rampas nas calçadas. Algumas são tão
altas que nem com ajuda dá para subir — lamenta ele.
Marlon, de 10
anos, tem paralisia cerebral. A mãe, a costureira Joseane Moura dos
Santos, vê no próprio quarteirão da Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE) de Nova Friburgo a falta de preparo e planejamento
para fornecer condições mínimas de mobilidade a pessoas como o seu
filho.
— Se no entorno de um lugar voltado para pessoas que
necessitam do uso de cadeira de rodas é assim, nem há o que dizer sobre o
resto da cidade. Calçadas só com o meio-fio, e alto. Chega-se ao
absurdo de fazer degraus para subir nele. Rampas são raras — queixa-se.
O transporte público também está bem longe de fornecer o tratamento que Joseane considera o ideal.
— A frota em boa parte é adaptada, mas não há treinamento adequado dos motoristas — conclui.
ELES SÃO BARRADOS NO CARTÓRIO, NA SECRETARIA DA FAZENDA, NO TEATRO...
Depois
que Jorge Henrique Santos, hoje com 45 anos, teve as pernas amputadas,
ele ficou recluso em casa por três anos. Com a ajuda da mulher,
recuperou o ânimo e resolveu sair para trabalhar, em busca de alguma
fonte de lazer. Só não esperava que, para fazer essas duas atividades
básicas, fosse necessário um esforço diário que a maioria dos
cadeirantes não consegue suportar sozinha.
— Em Petrópolis, várias
faixas de pedestre não têm rampa que ligue a calçada à via. Já tive que
me sentar no chão para subir sozinho e, depois, puxar a cadeira — diz
Santos.
Esse desafio ocupa 50 horas semanais da vida dele. Morador
do bairro do Quitandinha e cadeirante há 14 anos, ele trabalha
circulando pelas ruas do Centro de segunda a sábado, das 9h às 19h. O
ofício consiste em vender bilhetes de loteria e entregar panfletos de
lojas.
Ele comemora o fato de muitos pontos turísticos terem
melhorado a acessibilidade. O Palácio Amarelo, a Catedral de São Pedro
de Alcântara e o Museu Imperial, por exemplo, são adaptados. No entanto,
muitos postos de saúde, o cartório do Centro, o Theatro Dom Pedro, a
sede da Secretaria de Fazenda e a maioria das lojas da região excluem a
entrada de cadeirantes.
— Quando eu fui registrar meus filhos no cartório, tive que ser
atendido na rua, porque lá não tem rampa, nem elevador. Agora, quero me
casar, mas não sei como fazer. Casar no meio da rua é que não dá! —
reclama.
Segundo o presidente da Associação Pró-Deficiente de
Petrópolis, Marcelo da Silveira, 62 mil pessoas com algum tipo de
deficiência moram na cidade. Cerca de 30% delas são cadeirantes.
—
Como a cidade é histórica, é difícil mexer nas ruas, nos prédios. Mas é
preciso entender que respeitar o passado não significa deixar tudo
intocável. É preciso nos adequarmos à realidade.
Ele, que também é
cadeirante, conta que, embora alguns pontos históricos já tenham se
adaptado, problemas técnicos ou de falta de instrução de quem manuseia
os aparelhos são frequentes.
— Da última vez que eu tentei ir à
Casa de Santos Dumont, o elevador não funcionava. Então, desceram com
uma maquete da casa para eu ver. Se é para isso, eu nem saio de casa! —
lamenta ele, que já perdeu a conta de quantos casos parecidos enfrenta. —
No Centro de Cultura Raul Leoni, o elevador para deficientes fica no
segundo andar. Temos que subir 50 degraus para chegar lá. Vê se tem
sentido?
De acordo com a prefeitura de Petrópolis, nos últimos
três meses, 30 pontos do Centro Histórico e arredores tiveram melhorias.
O município está agora estendendo esses projetos às estruturas dos
prédios públicos que ainda não dão acessibilidade. Sobre o Theatro Dom
Pedro, a Prefeitura garante que o acesso a cadeirantes pode ser feito
por uma porta lateral, na Rua Nilo Peçanha.
Já a prefeitura de
Teresópolis afirma que investe em acessibilidade em suas novas
construções, como o prédio da Escola Municipal Francisco Maria Dállia,
aberto no ano passado. Em relação às calçadas, informa apenas que
fiscaliza carros estacionados irregularmente próximos às rampas.
Quanto
a Nova Friburgo, a prefeitura diz que o Escritório de Gerenciamento de
Projetos executa todas as obras de acessibilidade do município, mas não
informa que obras são essas.